Na biblioteca infinita de Borges

04-04-2020

Desértico não é apenas o lugar. Desértico é o próprio homem, errante por natureza, sempre destinado a caminhos maiores que sua própria vida. Caminhos como o de compreender termos misteriosos de uma arte estranha - ou como o de narrar um filósofo de que os livros pouco dão notícia. Se, nos desertos de Borges, as distâncias são sempre mais longas que o tempo para percorrê-las, gera-se, nesse "a mais", o infinito.

Tiago Lanna Pissolati 

Na parte inferior da escada, à direita, vi uma pequena esfera cintilante, de um fulgor quase intolerável. No início achei que era giratória; logo compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espetáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, porém o espaço cósmico estava lá, sem dissimulação de tamanho. Cada coisa (a superfície do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu claramente a via de todos os pontos do universo.

Jorge Luis Borges

"Há um conceito que corrompe e altera todos os outros. Não falo do Mal, cujo limitado império é a Ética; falo do Infinito", assim Jorge Luis Borges iniciava sua biografia do Infinito em Otras Inquisiciones. Oscilando entre os dois extremos do caos e da indefinição, por um lado, e da plenitude e da perfeição, por outro, a visão do infinito desperta o terror e o fascínio do coração humano desde as origens. Segundo o matemático David Hilbert, "nenhuma outra questão jamais moveu tão profundamente o espírito do homem; nenhuma ideia estimulou tão frutuosamente seu intelecto; ainda assim, nenhum conceito permanece tão necessitado de esclarecimento". Por isso mesmo, o próprio Hilbert, referindo-se às especulações de seu colega Georg Cantor sobre o infinito, diria que "ninguém nos expulsará do paraíso que ele criou para nós". Immanuel Kant, por sua vez, acreditava ter demonstrado por a + b que pela estrutura mesma da razão humana estamos condenados a sempre indagar e a jamais saber se o mundo é finito ou infinito. Já o poeta Giacomo Leopardi era taxativo: o infinito "é um parto da nossa imaginação, ao mesmo tempo da nossa pequeneza e da nossa soberba... um sonho, não uma realidade", porque "não temos nenhuma prova da sua existência, sequer por analogia". Para Descartes, contudo, era um fato insofismável que a ideia da perfeição infinita está inserida no mais íntimo do nosso ser, e por isso, deduziria Fichte, "o infinito aproximar-se do 'sumo bem' constitui o verdadeiro destino do homem", "o sinal da nossa vocação à eternidade". Não obstante, o senso comum continua a afirmar dia e noite que "tudo que é bom dura pouco", e as ciências parecem comprovar que todas as coisas nesse mundo e nessa vida têm um fim - a começar por essa vida e por esse mundo... ou será que não?

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